Friday, March 16, 2007

Historia de Amor

HISTORIA DE AMOR
Ahh... Ainda lembro quando nós nos conhecemos. Eu tava la, de bobeira na praia, tomando uma gelada com a piazada.
E vc apareceu, com uma canga ridícula e um chapéu que parecia uma alegoria de carnaval. E o teu caminhar, a cadencia dos teus passos, qualquer um diria que vc tinha encravadas todas as unhas dos pés!
E quando você passou ao lado da nossa barraca, e eu assoviei, "fiiifiiiuuu, gostosa!", so pra zuar. E vc virou pra mim e disse as doces palavras.
- Vai toma no cú vagabundo sem vergonha!! Tua mae nao te deu educação não?
E eu, com toda sinceridade respondi.
- Sua vaca horripilante, devia ficar faceira de alguém um dia ter te chamado de gostosa.
E foi então que aconteceu, foi ai que minha vida mudou. Voce tirou o teu tamanco rosa com margaridas amarelas - que deveriam ser a causa da tua maneira horrível de andar na areia - e me tascou uma puta tamancada na testa que fez jorrar sangue. Meu deus quanta dor e quanta raiva!
No calor do momento te rachei a boca com um soco, que fez soltar dois dentes teus, puta merda, que socão, até hoje sinto orgulho dele. Eu e vc sangrando juntos no camburão, a caminho do IML pra fazer o exame de corpo de delito. Meu bigode tava todo vermelho de sangue coagulado, parecia uma morcilha.
E vc, o teu jeito de me chingar com os dentes soltos e os lábios inchados, a cada palavrão vc assoviava. E eu, não sei pq, comecei a achar menos assustadora a tua cara feia. E mais tarde, vc me confessou e a minha careca e minha "barriguinha" foram ficando "engraçadinhas" pra vc.
Não sei se foi a anestesia, nao, acho que foi química. No ambulatório, vc de cara lavada, ja com os pontos feitos - os dois - sem aquele chapeu medonho. Foi me dando uma vontade de saber mais de vc, conhecer melhor a bruaca loca que me partiu a testa, e mais tarde - isso eu não sabia ainda - partiria meu coração. Os dois, começamos a conversar, e eu fui descobrindo que vc era mais que uma mulher feia, era burra também. E acabei ficando com pena de ti, tão feia e tão burra, a vida devia ser mesmo difícil, me senti culpado e pedi desculpas por ter mexido com vc na praia, mas não pelo soco, que eu acho que vc mereceu mesmo.
Tempo depois, quando vc me contava, quando relembrava-mos aqueles primeiros momentos juntos. Como vc sentia náuseas com cada peido que eu soltava dentro do camburão. E rimos juntos, parece tão distante o tempo em que vc me achava um porco nojento, que vc cuspia em mim. Mas aquele sentimento as vezes ainda acelera teu coração e eu te vejo juntar saliva na boca quando nos brigamos. Vc tava muito zonza da anestesia e eu me senti obrigado a te levar pra casa, quando eu ia me oferecer pra te acompanhar, o guarda voltou a colocar as algemas, ainda faltava a delegacia!
No caminho pra delegacia eu me esforcei pra segurar os peidos, oq não era fácil, aquela merda de camburão era muito apertado pra nos dois, e espremia minha barriga. Eu agüentei bravamente, e acho que vc percebeu, pq vc já não me cuspia mais. Ate me sorriu, um sorriso banguela agora, graças a mim, mas ainda assim um sorriso. Vc não quis registrar queixa, disse que foi culpa sua, eu achei linda a tua atitude, lembro que pensei, "feia e burra, mas ao menos não e rancorosa". Assim, como eu ja tava livre, decidi registrar queixa contra vc. E acho ate que aquelas três semanas com aquelas presidiárias te ajudaram muito. Vc descobriu coisas que ainda não tinha explorado do teu corpo, a ser mais gentil, te fez uma amante melhor.
Eu nunca podia imaginar que vc iria me procurar quando saísse da cadeia. Mas vc o fez, e como, as pichações no muro la de casa, o meu cachorro coitadinho, morto envenenado. Eu não podia imaginar que fosse vc, mas era. Aquela manha, levantei pra ir no bainheiro, mas tava ocupado, então sai pra mijar na varanda mesmo, e vi aquele mesmo chapéu - eu sabia que ninguém mais teria coragem de usar uma merda daquelas - foi então que eu soube que era vc.
Sai correndo com o pinto de fora ainda, disposto a te cobrir de pauladas. Mas ao me aproximar de ti novamente, vc já tava usando ponte, sem os lábios inchados, tava bem menos feia, nao pude te bater.
Nos portamos como duas pessoas civilizadas, te convidei pra tomar um café no bar do Pedrão, e vc aceitou. Ate chamou a atenção pro meu pinto pendurado do lado de fora do meu pijama. Eu agradeci e guardei ele, molhando ainda com algumas gotas a calça - eu tava sem cueca - vc fez de conta que não tinha reparado, eu te agradeci por isso, silenciosamente. Entrei, me troquei e saímos para tomar aquele café. Nunca pensei que pudesse sentir tanto amor, fiquei la, olhando teu jeito de comer de boca aberta, como vc limpava a gordura dos rizolis que escorria ate os teus cotovelos, vc me pareceu a mulher mais porca e encantadora que eu tinha conhecido, minha alma gêmea!
Oito meses depois já estávamos morando juntos. Era tudo perfeito, ate os gases de baixo da coberta nos dois aprendemos a desfrutar juntos - vc me ensinou a falar "gases" pra peido - a vida era perfeita. Mas vc era cruel, nunca me perdoou por ter te zuado na praia. Todo o resto sim, afinal, vc sabia que tinha merecido. A tua vingança foi cruel. Como eu demorei tanto pra perceber meu deus! Vc e o Pedrão! Foi o maior choque da minha vida quando eu encontrei vcs dois juntos dentro do opala rocho dele. Os vidros empapados, e vcs dois tbm, com o suor da tua traição. Meu coração se fez em pedaços.
Hoje faz dois anos que eu estou aqui, preso, lembrando de vc. Mas não consigo viver mais assim, lembrando dos teus gritos e do Pedrão enquanto o opala queimava com vcs abraçados dentro - bom, ate que com isso eu posso viver, o foda mesmo e ser a mulherzinha aqui dentro - por isso hoje eu te escrevo essas palavras. Sei que vc ta ardendo no inferno sua vadia miserável, em bacanais intermináveis com o Pedrão, e que não vai poder ler jamais essa carta. Mas ela e meu testamento, meu ultimo ato nesta vida antes de terminar de enrolar o lençol no meu pescoço.