HISTORIA DE AMOR
Ahh... Ainda lembro quando nós nos conhecemos. Eu tava la, de bobeira na praia, tomando uma gelada com a piazada.
E vc apareceu, com uma canga ridícula e um chapéu que parecia uma alegoria de carnaval. E o teu caminhar, a cadencia dos teus passos, qualquer um diria que vc tinha encravadas todas as unhas dos pés!
E quando você passou ao lado da nossa barraca, e eu assoviei, "fiiifiiiuuu, gostosa!", so pra zuar. E vc virou pra mim e disse as doces palavras.
- Vai toma no cú vagabundo sem vergonha!! Tua mae nao te deu educação não?
E eu, com toda sinceridade respondi.
- Sua vaca horripilante, devia ficar faceira de alguém um dia ter te chamado de gostosa.
No calor do momento te rachei a boca com um soco, que fez soltar dois dentes teus, puta merda, que socão, até hoje sinto orgulho dele. Eu e vc sangrando juntos no camburão, a caminho do IML pra fazer o exame de corpo de delito. Meu bigode tava todo vermelho de sangue coagulado, parecia uma morcilha.
E vc, o teu jeito de me chingar com os dentes soltos e os lábios inchados, a cada palavrão vc assoviava. E eu, não sei pq, comecei a achar menos assustadora a tua cara feia. E mais tarde, vc me confessou e a minha careca e minha "barriguinha" foram ficando "engraçadinhas" pra vc.
Sai correndo com o pinto de fora ainda, disposto a te cobrir de pauladas. Mas ao me aproximar de ti novamente, vc já tava usando ponte, sem os lábios inchados, tava bem menos feia, nao pude te bater.
Nos portamos como duas pessoas civilizadas, te convidei pra tomar um café no bar do Pedrão, e vc aceitou. Ate chamou a atenção pro meu pinto pendurado do lado de fora do meu pijama. Eu agradeci e guardei ele, molhando ainda com algumas gotas a calça - eu tava sem cueca - vc fez de conta que não tinha reparado, eu te agradeci por isso, silenciosamente. Entrei, me troquei e saímos para tomar aquele café. Nunca pensei que pudesse sentir tanto amor, fiquei la, olhando teu jeito de comer de boca aberta, como vc limpava a gordura dos rizolis que escorria ate os teus cotovelos, vc me pareceu a mulher mais porca e encantadora que eu tinha conhecido, minha alma gêmea!
Oito meses depois já estávamos morando juntos. Era tudo perfeito, ate os gases de baixo da coberta nos dois aprendemos a desfrutar juntos - vc me ensinou a falar "gases" pra peido - a vida era perfeita. Mas vc era cruel, nunca me perdoou por ter te zuado na praia. Todo o resto sim, afinal, vc sabia que tinha merecido. A tua vingança foi cruel. Como eu demorei tanto pra perceber meu deus! Vc e o Pedrão! Foi o maior choque da minha vida quando eu encontrei vcs dois juntos dentro do opala rocho dele. Os vidros empapados, e vcs dois tbm, com o suor da tua traição. Meu coração se fez em pedaços.
Hoje faz dois anos que eu estou aqui, preso, lembrando de vc. Mas não consigo viver mais assim, lembrando dos teus gritos e do Pedrão enquanto o opala queimava com vcs abraçados dentro - bom, ate que com isso eu posso viver, o foda mesmo e ser a mulherzinha aqui dentro - por isso hoje eu te escrevo essas palavras. Sei que vc ta ardendo no inferno sua vadia miserável, em bacanais intermináveis com o Pedrão, e que não vai poder ler jamais essa carta. Mas ela e meu testamento, meu ultimo ato nesta vida antes de terminar de enrolar o lençol no meu pescoço.